Home Ltda: conflitos conjugais alavancados pelo maciço convívio imposto pela pandemia. Numerosas citações indicam aumento dessa incidência com a contribuição do desgaste imposto pelas tarefas domésticas. Parte disso vindo da sensação de injustiça gerada pela ausência ou falta de divulgação de claras responsabilidades. Se tal fato pode prejudicar o funcionamento em casa, imagine nas corporações. Se ‘lavar a louça’ fosse um processo numa corporação, segue a reflexão seguindo a numeração da figura:
1-Atribuição de Responsabilidade: Quem vai lavar?
Podemos ter uma escala fixa ou variável conforme cada projeto culinário, num critério do estilo ‘quem cozinha não lava’. Em equipes pequenas, tais acordos informais podem ser praticados apenas seguindo o bom senso, até porque sua não execução é facilmente medida impedindo o próximo processo de interesse comum a todos: a próxima refeição.
Feito por apenas uma pessoa, um resultado insatisfatório tem fácil identificação e responsabilização, o que é mais difícil em se tratando de várias pessoas ou áreas envolvidas. Basta pensar num grande restaurante com intenso paralelismo, multiplicidade de eventos, ruídos e atraso na comunicação. A clara atribuição e divulgação de responsabilidades na execução de cada atividade é necessária para que não fique ‘algo sem ser feito por ninguém’ ou ‘algo estar sendo feito dupla e simultaneamente’.
2-Sem controles intermediários dentro do processo: ainda tem uma sujeira grudada
Avaliar apenas seu resultado sem avaliar a forma de execução é positivo sob ótica de evitar o micro gerenciamento. Basta a louça, panelas e talheres estarem limpas para reuso dentro do ‘armário planejado’. No entanto, ao encontrarmos uma sujeira encrustada somente após a louça já seca e guardada, exigirá duplo esforço com todo ciclo de sua limpeza tendo de ser refeita, sem contar a suspeita sobre a qualidade higiênica de todos os demais itens.
Ao incluir controles de qualidade intermediários dentro do processo, evitaremos a passagem pelas etapas de gargalo do processo de itens que seriam inevitavelmente já rejeitados no final do processo, tal como citado no artigo sobre a Teoria das Restrições.
3-Mapeamento de Processo: ‘Como’ lavar a louça.
Diferente do item 2, processos corporativos possuem maior complexidade. Seu conhecimento deve ser da organização e não apenas do indivíduo. Listamos apenas dois dentre vários cenários possíveis:
- Treinamento: havendo a rotatividade de atribuições, os treinamentos de seus respectivos substitutos podem ocorrer sem o responsável anterior por diversos motivos, tais como licença de última hora ou falta de agenda, ou até mesmo de seu perfil não-didático, tal como abordamos em Mapeamento de processos e prova culinária.
- Insumo para controles, qualidade, riscos: um processo documentado é subsídio para as demais linhas de defesa realizarem suas avaliações e mapeamentos, tais como riscos transversais (comportamentos comuns em vários processos). Um olhar de fora com uma visão geral e integrada focada na eficácia difere do olhar especializado do responsável pela sua execução focado na eficiência, não exclusivamente, mas prioritariamente.
4-Falta de detalhamento: Lavado sim, mas só com água não é suficiente.
A delegação de suas tarefas costuma ser intuitiva e sem instruções detalhadas: “é como lavar as mãos”. A falta de detalhes evita transparecer formas ineficientes ou inadequadas de execução. Caso não seja lavado com detergente, por exemplo (importante nesses tempos de Covid), esteticamente o efeito final da louça limpa pode ser o mesmo, mas higienicamente não será.
Quanto maior o nível de seu detalhamento, menor a quantidade de dúvidas básicas ou desvios em sua execução. Menor será a possibilidade de erros por desconhecimento nos casos não intencionais ou alegação de desconhecimento nos casos de fraudes intencionais.
5-Engajamento via explicação dos motivos, propósitos e efeitos subsequentes: para que retirar excesso de alimentos?
Exceto em pias com trituradores, retirar o excesso de alimentos e jogá-lo no lixo podem ser óbvios para nós, mas não o é para quem nunca precisou desentupir ralos e esgotos. Pode ocorrer até a brilhante ideia de retirar a ‘peneirinha’ do ralo da pia para aumentar a vazão da água, pois sua experiência é imediata apenas sobre o fato em si, e não sobre suas consequências e efeitos subsequentes.
Quantos comentários de processo burocrático são genuínos e quantos são por desconhecimento da necessidade da informação nas etapas subsequentes? A visão departamental é limitada e pode desconhecer o efeito multiplicador de uma tarefa que não lhe agrega, mas essencial para outras etapas do processo. O engajamento nesses casos só é possível com o devido aculturamento e exposição de motivos.
6-Desvios: graficamente é mais fácil representá-los e visualizá-los.
Descrições de processo puramente textuais exigem um nível de abstração maior do leitor, principalmente havendo desvios e caminhos paralelos ou alternativos. Mapear processos de forma gráfica permite tais casos serem rapidamente interpretados.
7-Lavadora de pratos: automatizar lhe traz uma relação favorável de custo x benefício?
Nunca tivemos lavadora de pratos. Pode ser como transmissão automática e ar-condicionado em veículos: opcional até o dia que tiver um. Por isso, até pode haver um conformismo por não a tê-la. Além de seu custo de aquisição, falta de espaço na cozinha, consumo maior de energia elétrica e água, continuar lavando panelas e retirar restos de alimentos em qualquer hipótese não nos estimulou suficientemente por sua aquisição.
Enfim, nos processos administrativos, o raciocínio é o mesmo. Se o custo x benefício, a preparação de dados e intervenção manual não forem favoráveis, não fará sentido automatizar o processo, por exemplo. Essa avaliação é individual e adequada a cada caso com variáveis que não se resumem apenas ao custo: qualidade e tempo da execução, redução de riscos, escalabilidade mesmo com aumento da demanda de trabalho. Enfim, em casa, a lavadora de pratos ainda vai esperar um pouco.
8-Sua louça é reutilizada diretamente do escorredor? O mapeamento deve representar o que é feito e não o que deveria ser feito, pois isso afetará a real mensuração de riscos e necessidade de controles.
Que atire a primeira pedra quem nunca utilizou louça e talheres diretamente do escorredor ou da lavadora de pratos. Por praticidade, deve ser um dos mais frequentes desvios do processo ideal de lavagem e guarda da louça, talheres e panelas no ‘armário planejado’. Afinal, subutilizar o ‘armário planejado’ descredencia todo tempo de escolha e custo de sua aquisição.
Quando o mapeamento é feito ‘para inglês ver’, poderá mascarar vulnerabilidades executadas que nunca aparecerão nos estudos feitos pelas áreas de controle a partir dessa documentação. Mas em algum momento (a lei de Murphy é implacável), inevitavelmente serão materializados em eventos de perda e a auditoria identificará que o processo executado não corresponde ao mapeamento documentado.
9-Insumos para lavar a louça: monitoramento tempestivo e controle de estoque
Todo processo só é justificado a partir de resultados esperados (louça, talheres e panelas limpas disponíveis para a próxima refeição) com insumos necessários (material de limpeza e os próximos itens a serem limpos). Acompanhar a quantidade de detergente para antecipar sua necessidade de reposição é um exemplo de indicador análogo aos que devem ser constantemente medidos nas organizações.
10-Compras acionadas pelo controle de estoque: integração de processos.
Um controle de estoque tem a finalidade de antecipar o esgotamento desses recursos, pois há um intervalo de tempo necessário para adquirir tais produtos dentro do ciclo de compras, onde idas ao mercado são eventuais e não frequentes.
Transportando o exemplo às corporações, somemos essas necessidades vindas de diversos setores, licitação entre três fornecedores, formação de lotes mínimos para aquisição, mecanismos de controle para inibir favorecimentos, entre outros, de forma que o atendimento às necessidades não são feitas de imediato e gerando sofisticadas e intrincadas etapas dentro do processo de compra. E por outro prisma, esse mesmo processo de compra deve atender inúmeros e simultâneos itens de insumo para outros inúmeros processos da empresa.
Concluindo
Enfim, a Home Ltda necessita de vários processos de menor escala para seu pleno funcionamento. Caso uma pessoa chave que conheça todos detalhes de um desses processos não possa desempenhar seu papel, imagine assumir tal posto sem orientação alguma. Numa escala multiplicada, é isso que ocorre na substituição em organizações corporativas com processos sem a mínima documentação.
O mapeamento de processos, tanto mais detalhado e fiel for em relação à sua real execução, permitirá um melhor treinamento e redução da curva de aprendizagem de substitutos, além de abastecer trabalhos derivados, tais como controles internos e de qualidade, gestão de riscos, compliance e a auditoria, visando a melhoria contínua de processos e da organização como um todo.
Yoshio Hada Sócio administrador da B3Bee Consultoria e Sistemas, licenciando sistemas de automação em conversão de layouts (exportação de arquivos para matriz internacional ou arquivos específicos e geração de demonstrações financeiras), controle de prazos de rotinas administrativas ou prazos do envio de arquivos regulatórios.
Ótimo trabalho!
Gostei muito do conteúdo de seu blog, é bastante útil.
Parabéns!
Muito obrigado pelo feedback, Marcos.
Conscientização e aculturamento é pré-requisito da automação de quaisquer controles nos processos.
Forte abraço
Yoshio