Além de atender a regulamentação, qual estímulo para implementação da gestão de riscos? A materialização de algum problema não previsto ou não antecipado é uma certeza dentre uma imensa gama de possibilidades a serem cobertas por recursos limitados. E é nesses casos de maior impacto onde o gestor será mais questionado por não os ter evitado.
Eu não sabia
Problemas são considerados ‘inesperados’, surpreendem o gestor e tem alto custo de solução. Solucioná-los exigem atos heroicos explorados em filmes com bombeiros salvando vítimas das chamas e marinheiros embarcando mulheres e crianças nos botes salva-vidas. Mas enquanto um filme-catástrofe deve entreter seu espectador, definitivamente a finalidade de uma organização, abusando do trocadilho, não é viver ‘apagando fogo’ nem ver todos ‘abandonando o navio’ num caso extremo.
Gerenciar riscos é identificar incertezas sobre as quais é possível estimar probabilidade e impacto, procurando evitar surpresas com medidas mitigadoras prontas e constante revisão de seu custo/benefício. Num escopo mais amplo, uma típica tarefa de planejamento estratégico, uma vez que geralmente envolve antecipar passos e resultados futuros, com amplo grau de incerteza. Seria, ao invés de salvar vítimas resolvendo problemas, procurar evitar um incêndio ou naufrágio de um navio, inspecionando uma instalação elétrica ou reduzindo a velocidade do navio numa região de icebergs. Na sua inevitabilidade, é reduzir seu impacto com portas anti-fogo e escadas de emergência, ou ter quantidade suficiente de botes salva-vidas (isso não era tão óbvio para o navio ‘infundável’, muito comum no mundo corporativo).
Resgatando o processo de decisão para priorizar alocação de recursos
A materialização de casos de riscos não tratados é uma certeza, pois no mundo das probabilidades é impossível antever quais desses eventos danosos efetivamente ocorrerão para priorizar e distribuir recursos. Apesar do moderno conceito de risco estar associado também a resultados favoráveis inesperados, é nos casos prejudiciais onde o gestor será mais questionado por não os ter evitado. Com um adequado processo de gerenciamento de riscos documentado, terá subsídios para justificar o processo de priorização e não tratamento desses casos, seguindo o raciocínio abaixo conforme numeração do diagrama:
1-Um negócio é modelado a fim de cumprir seus objetivos considerando também sua sustentabilidade financeira. Costumeiramente seus custos levam em conta condições normais de funcionamento, e em menor intensidade eventos anormais por sua difícil previsibilidade.
2-Problemas ‘inesperados’ exigem custos maiores devido à urgência, ausência de pesquisa e comparação de fornecedores. Novos problemas surgem em cascata por sua execução sob pressão. Pode gerar um tempo maior na solução, que afeta satisfação do cliente e consequente resultado financeiro, além de eventuais sanções regulatórias nos casos mais extremos.
3-Nesse contexto, a organização depende de profissionais ‘heróis’ com perfil de trabalhar sob pressão (importantíssimos nesses momentos). No entanto, são profissionais raros e sua substituição cara. Se acionados em excesso ou com múltiplos problemas simultâneos também podem não dar conta do recado ou terem problemas de saúde física ou mental. Apenas nos filmes, heróis não tiram férias, não descansam em fins de semana ou feriados, não adoecem e não mudam de emprego.
4-Ausência de processo sistematizado de registro de incidentes e respectivos tratamentos: ocorrendo o mesmo problema, será tratado novamente ‘como se fosse a primeira vez’ (uma divertida comédia, onde o namorado precisava reconquistar diariamente, pois ela se esquecia de tudo após uma noite de sono). Os colaboradores podem não ser os mesmos que solucionaram na oportunidade anterior e esse conhecimento não ficou retido na organização.
5-No gerenciamento de riscos, eventos anormais são previstos, mapeados e seus riscos mensurados a fim de facilitar priorização de investimentos em prevenção. Se sua priorização ou mensuração tiverem sido inadequadas, serão candidatos a um processo de melhoria contínua na sua gestão: esse é um dos objetivos da resolução.
6-Reduzir a probabilidade de ocorrência das causas é um dos tratamentos avaliados. A dificuldade é mensurar adequadamente essa probabilidade, pois isso influenciará a lista de priorização dos investimentos no tratamento dos vários riscos levantados. O desafio é montar uma base histórica de eventos ao longo do tempo que ateste essa mensuração.
7-Impossibilitado de reduzir o fato gerador, um caminho é reduzir o impacto da sua consequência, tais como contratação de seguro, antecipação de pesquisa e cotação de fornecedores a serem acionados quando necessários, ou elaborando planos com procedimentos e responsáveis para um eventual momento de urgência.
8-Ainda assim, haverá materialização de eventos cujos riscos não foram tratados por diversos motivos isolados ou combinados, tais como não ter sido mapeado, captura de informações históricas insuficientes, mensuração inadequada, falha na priorização ou desfavorável relação de custo e benefício no seu tratamento. É possível resgatar os critérios documentados para outros riscos terem sido priorizados em detrimento desse risco. Antes de punitivo, deve ser um estímulo para melhoria em seu processo de gerenciamento de risco.
9-A materialização do problema em qualquer cenário (não previsto, com ou sem tratamento) deve recalibrar a probabilidade de incidência do evento e seu impacto com dados reais. Essa documentação sistemática contribuirá com a curva de aprendizagem da organização caso haja reincidência, detendo esse conhecimento no nível corporativo e não no nível pessoal e individual. A efetividade do tratamento previsto também será testada para eventual reavaliação, se necessário.
Heróis estratégicos x heróis nos campos de batalha.
No filme ‘O jogo da imitação’, o pêndulo da segunda guerra mundial começou a virar a favor dos aliados pela descoberta do código secreto da máquina ‘enigma’: uma guerra travada em laboratórios, cálculos e cientistas. Seu efeito multiplicador foi estratégico e decisivo naquele momento do conflito, beneficiando a priorização de escassos recursos (tal como ocorre na vida corporativa), ao contrário do que costumamos associar vitórias apenas nos campos de batalha.
No mesmo nível do planejamento estratégico, o efeito multiplicador de um bom gerenciamento de riscos preservará muitas vítimas das batalhas corporativas. Evitará termos de socorrê-las por meio da redução da incidência dos fatos geradores ou impacto dos seus efeitos.
Acionistas, reguladores e todos interessados esperam dos ‘heróis estratégicos’ a redução dos problemas ‘inesperados’, pois estes devem ser exceção e não regra. Assim preservaremos os ‘heróis dos campos de batalha’ para atuarem com melhor foco nos poucos riscos sem tratamento algum, afinal, o mundo corporativo é avesso a filmes de catástrofes.
Yoshio Hada
Alguns conceitos inspirados do evento ‘Seminário Gestão de Riscos: Desafios para Implementação da Instrução Normativa Conjunta MP/CGU‘, de agosto de 2017.
ENAP (Escola Nacional de Administração Pública): http://www.enap.gov.br , em ‘Vídeos’.
Vídeo no link https://www.youtube.com/watch?v=Qvc-PoPxNyQ&t=7809s
Apresentações Power Point (em PDF) no link http://bit.ly/2vZx2rn
ou links https://pt.slideshare.net/CgceEnap/apresentao-francisco-eduardo-de-holanda-bessa
https://pt.slideshare.net/CgceEnap/apresentao-isabela-ribeiro-damaso-maia